sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Brilho eterno de uma mente sem lembranças...


Ontem revi um filme mágico em sua essência, mas que trata com uma certa lógica extremamente real sobre relacionamentos. 
Um sujeito de gorro e ar de quem largou a escola no segundo ano do ensino médio está num ônibus, rabiscando um caderno. 
Uma garota bonitinha, com os cabelos pintados de azul, diz oi para ele. 
Vem sentar perto, pergunta o que ele está fazendo. 
Eles conversam um pouco. 
A garota é engraçada, vívida, e não demora a dizer algo muito inconveniente para o rapaz. Pede desculpa, é desculpada. 
Diz outra barbaridade e a coisa fica por isso mesmo. 
Ela se sente, a partir de então, autorizada a dizer qualquer coisa abusiva que lhe passar pela cabeça sem ter de pedir desculpas depois.
Além de abusada, a garota é um poço de narcisismo. 
E, como todo narcisista que se preze, tem uma inesgotável curiosidade a seu próprio respeito. 
Dá uma deixa para que o rapaz diga que ela é o máximo. 
Ele morde a isca e diz, sim, você parece ser uma pessoa muito bacana. 
Ela o contesta, dizendo que na verdade ela não é bacana, mas, sim, uma louca, uma megera vingativa. (Se uma mulher lhe disser que é uma megera vingativa, não duvide. E, de preferência, saia correndo rs...)
No dia seguinte o rapaz lhe oferece carona, ela aceita e, chegando em casa, o convida para entrar. 
Prepara duas bebidas, os dois ficam sentados na sala, o papo não engrena, então ela comenta, você é meio quieto, não? 
Ele diz que a vida dele não é muito interessante, por isso ele não costuma ter muito o que dizer. 
Ela vem se sentar ao lado dele. 
Eles começam a namorar.
Alguns meses se passam. 
São três horas da manhã e o rapaz está sentado numa poltrona, mão apoiada na testa, ar aborrecido. 
A garota chega, vindo da rua. Está bêbada, se joga num sofá e diz que bateu o carro. Apesar de o carro ser dele, ele não a repreende por isso. 
Limita-se a dizer que ela vai acabar se matando e matando alguém se insistir em dirigir alcoolizada. 
Ela lhe devolve uma provocação: você só está bravo porque acha que eu estava por aí  com outro. 
Ele diz: sim, é verdade, acho mesmo, não é exatamente isso que você sempre faz para que as pessoas gostem de você? 
A garota se ofende, pega suas trouxas e vai embora. 
E ele, claro, corre atrás dela, implorando perdão.
O que leva um sujeito a ser tão condescendente e tão servil em relação a uma mulherzinha tão insuportável? 
O problema de Jim Carrey no filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” é a imensa escassez e precariedade em que vive. 
Ele é um zé-ninguém sem qualquer chance de ser redimido. 
Ao levar o fora de Kate Winslet, sabe que enfrentará uma seca braba, que não será tão cedo que irá aparecer, se é que vai aparecer, outra garota tão bonitinha e tão gostosinha em seu pedaço. 
Daí seu desespero. Se ele fosse rico, ou pelo menos um jovem profissional bem sucedido (ou, vá lá, se ele não fosse tão mané, tão fair play, tão resignadamente entregue às baratas), não faltaria mulher para encher sua bola. 
E Kate seria esquecida sem que ele precisasse se submeter àquele brain damage maluco do filme.
Falei em dinheiro, mas não quis dizer com isso que mulheres são interesseiras. (A maioria não é, de fato) 
Eu simplesmente sei, por experiência própria, que é imprudente um homem se envolver com uma mulher estando tão desguarnecido, não só com também financeiramente. 
Afinal, relações amorosas são, entre outras coisas, exercícios de equilíbrio de poder. 
Se falta dinheiro, não pode faltar a um homem, de jeito nenhum, a tal da atitude. (Por falar em atitude, lembrei daquele deplorável personagem do Plínio Marcos, em Navalha da Carne: “Sou Vadinho, cafifa escolado, judio das mulheres para elas gamarem”.) 
Talvez o Jim Carrey tenha aprendido, depois de tanto sofrimento, que a ternura é incapaz de segurar a onda de uma relação. 
Que o amor, por si só, dá conta de muito, muito pouco.

Tadeu Silva ( 2012 Todos os direitos reservados )

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Entrelinhas...

Há as palavras que você escreve por amor, há o amor que escreve as palavras por você, há a realidade que revisa o que ambos escreveram. 
Nas linhas das suas palavras, ela te ama, ela te espera, ela te cuida, ela te sabe. 
Nas linhas do amor, se ela ainda não ama ela amará, se ela ainda não chega ela chegará, se ela ainda não cuida ela cuidará, e se ela ainda não sabe ela saberá. 
Mas entre fantasias e otimismo, entre amores e vontades, entre palavras, frases e fases, em meio a esperanças e medos, a realidade surge e te lembra que amor não se faz de um. 
Nas linhas da realidade, se perde um pouco o que você sonhava e aparece apenas o que de fato se fez. 
A realidade é um revisor severo das palavras de amor, sem se importar com quem as escreveu ou inspirou. 
As linhas da verdade, são, na verdade, linhas de uma vida sem paixão. 
Só que a vida quando se perde a paixão é como um texto após passar pelas mãos de um revisor: tudo fica objetivo, mais claro e correto, e pode até ficar melhor, mas nunca mais fica igual a antes, muito menos do jeito que você queria. 
E ninguém entende melhor de um texto do que o próprio autor, ninguém entende melhor de uma paixão do que quem a sente. 
Ponto final, na versão sua, na versão do amor, na versão real.


Tadeu Silva ( Copyright 2012 Todos os direitos reservados )



A Lei da Pequena Covardia...

Outro dia eu tive vontade de ligar para uma moça.
Seria um telefonema simples, daqueles que a gente dá para pessoas próximas.
Algum comentário sobre como foi o dia, o trabalho, que livro está lendo?
Se eu tive vontade de ligar?
Claro!!!
Vocês devem se perguntar por que não liguei?
A moça é legal.
Eu sou legal e provavelmente ela gostaria de receber um telefonema para saber como foi o dia dela.
Só que eu não liguei.
Por um motivo simples.
A gente não pode perguntar como foi o dia para quem ainda não é nem tão íntimo assim, pois ela não é namorada, affair, ficante, é apenas uma pessoa especial que dá vontade de conhecer melhor...
Essa é uma espécie de lei do mundo que eu não sei por que foi inventada.
Será preciso um tempo para poder perguntar como foi o dia? 
Já que é uma coisa tão do bem.
Do fundo da minha pequena covardia, pensei que ela poderia achar que fosse carente, louco, stalker e esses outros adjetivos que usa para justificar a pura covardia.
Mas para transgredir a lei da pequena covardia, é necessário que por maior que seja a vontade de inviolar a caixa da "amizade", é o desejo de transpor o intangível e correr o melhor risco dos últimos tempos.
E eu e a moça perdemos a chance de ter para quem contar como foi o nosso dia.
Uma pena!


Tadeu Silva ( Copyright 2012 Todos os direitos reservados )